quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Porque eu te amo.

-Quem é você?

-Te interessa?

-Só responde.

-Marie.

-Esse é seu nome. Não foi isso que eu perguntei.

-Então o quê?

-Quem é você?

-Sou uma artista plástica.

-De novo, não era isso.

-O quê então, porra?

-Quem é Marie?

-Eu.

-Quem é Marie sem sarcasmo?

-Ninguém.

-Engraçada. Quer fazer o favor de responder?

-Sou uma artista frustrada vivendo numa kit da Asa Norte dessas em cima da comercial sem um tostão no bolso. Expulsa de casa aos 16 pelo pai alcóolatra, tatuada desde os 18 e sem um fio de cabelo na cabeça desde junho. Tá bom assim?

-Melhor, mas isso não é você. Essa é sua história. Quem é você?

-Sou uma pintora subversiva bisexual de olhos claros.

-Emprego, estilo, orientação, estética...

-Aonde você quer chegar?

-Em você.

-Ah, claro! Quem sou eu... Eu sou eu, merda.

-Você é uma merda?

-Por que não?

-Acho que entendi quem é você.

-É?

-Sabe tudo isso que você me falou? Desde “te interessa” até esse último “é”?

-Ahn?

-Essa é você.

-Acho que você bebeu demais hoje.

-Não é isso. É que eu...

-Pra que esse interrogatório, mesmo?

-Deixa pra lá. Agora me dá um beijo e volta a dormir, vai.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

"Ele fala?"

            Era dia, bem cedinho. Ou tarde da noite, na verdade, tanto faz. O que importa é o que acabava de descobrir. Descobriu que aquela pessoa engraçada, desajeitada e meio feia que aparecia no espelho não era a mesma que calçava seu par de all-star branco e se arrastava pelo dia. Descobriu que aquele cabelo, um pouco sujo e despenteado pelas horas de sono era, em outros olhos, uma rebeldia mesclada com estilo. Notou que a barba, já crescida, mas ainda um pouco falha, era sua marca registrada, como a haviam definido. Percebeu que todo o seu ser, tudo o que sabia de si, eram parte de uma outra pessoa, um outro alguém que ele nem conhecia, mas que insistia em usar seu cabelo, sua barba e seu all-star.

            A calça velha dele, era o estilo despojado do outro, o olhar cansado era um charminho extra e a timidez intrínseca, um quê de mistério. Parecia que tudo que era dele se moldava de forma a construir esse outro ser. Esse, que era tudo que ele queria ser. E quando percebeu que ele já era tudo o que queria, soube exatamente qual era a cereja que faltava para seu sundae de creme com cobertura de chocolate e castanhas de caju ficar perfeito: sentir-se tudo aquilo. Finalmente se encontrou. Entende hoje que seu cabelo sujo rebelde, sua barba registrada,sua calça estilosa, timidez misteriosa e all-star gasto são tudo parte de uma pessoa só. E nesse dia, quando descobriu tudo isso, se sentiu tudo o que sempre quis. Agora, se é perguntado se ele fala, por causa daquela maldita timidez, ele já tem resposta. 


É um mistério.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

OK. Vamos lá. Estamos em 20 e poucos de 2012. Os Maias acertaram. Ou dias depois de qualquer que seja a teoria apocalíptica que mais agrade. O fato é que por alguma sacanagem de Deus, do destino ou de carma mesmo, o diabo do mundo resolveu acabar e deixar um homenzinho pra contar a história. Um homenzinho e um pedaço de papel. O resto tudo é pó. Tá bom. Um homenzinho, um pedaço de papel e um estoque vitalício de comida enlatada. Fora isso, pó. Tudo o que o mundo conhecia, todos os arranha-céus, todos os livros, todos os discos. Poeira. E o homenzinho lá, com seu pedaço de papel.

O céu agora é sempre escuro. Nuvens? De poeira, sim. Carros não buzinam freneticamente para um sinal vermelho, cães não latem para o carteiro e aqueles moleques que costumavam ficar na calçada se drogando pra fugir da fome já não estão mais lá. Adivinha só? Pó. E o homenzinho? Parado com seu pedaço de papel.

Dias atrás, aquelas ruas pareciam ter vida também. Era tanta gente, tanta cor, tanta coisa. Hoje as ruas estão mais mortas do que a poeira que as cobre. A poeira de tudo aquilo que as dava vida. Tudo morto. Mas lá estava o homenzinho. Ele e seu pedaço de papel.

O vento não leva seus cabelos. A lua não reflete em seu olhar. A vida quase não pulsa mais dentro dele. Seus olhos cinza baixam e passam pelas  palavras rabisacadas no pedaço de papel. Ele pega uma caneta e escreve mais algumas embaixo. Era o último texto. O último credo. E o homenzinho? Nem ele estava mais lá.

 

 

O Último Credo

Augusto dos Anjos

 

Como ama o homem adúltero o adultério


E o ébrio a garrafa tóxica de rum,


Amo o coveiro - este ladrão comum


Que arrasta a gente para o cemitério!





É o transcendentalíssimo mistério!


É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,


É a morte, é esse danado número Um


Que matou Cristo e que matou Tibério!

 



Creio, como o filósofo mais crente,


Na generalidade decrescente


Com que a substância cósmica evolui...



 

Creio, perante a evolução imensa,


Que o homem universal de amanha vença


O homem particular eu que ontem fui!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Senhor do destino

Aquela noite, sonhou que andava nas estrelas. Já havia sonhado isso algumas vezes. No entanto, nem passear na Via Láctea, nem ser um animal e nem aquele sonho no qual ele voltava a ser jovem, sempre protegido pelo pai, assassinado por causa de uma vaca magrela, chegavam perto do grande sonho da vida de seu Joaquim: conseguir guiar sua própria vida. Conseguir saber dizer aos filhos quando seria a próxima refeição da família. Conseguir dizer à esposa que juntaria uns trocados para dar-lhe um novo vestido. Conseguir dizer a si mesmo que era um homem de respeito. O pior de tudo, é que no sertão do Ceará, esse parecia o mais distante de todos os sonhos de Seu Joaquim.

Quem já foi ao Ceará sabe que homem cearense é cabra macho e que não se satisfaz só com sonhar. E já que a Via Láctea fica longe e que não dava pra virar um elefante, não importa quantos amendoins Seu Joaquim comesse, lá foi ele correr atrás de seu sonho mais distante. Dois mil e quatorze quilômetros, para ser mais exato. A distância entre Choró, a pobre vila que viu seu Joaquim crescer e a nova capital brasileira parecia infinita aos olhos cansados do cearense e de sua família, que pegaram ônibus, caminhão, carona e jegue, mas enfim chegaram num tal de Plano Piloto. Ironia de Deus, pensou Seu Joaquim. A cidade escolhida para que a família de Choró enfim pilotasse sua vida tinha o centro apelidado de Plano Piloto. É destino. É aqui mesmo que vamos ficar.

Não deu. Brasília é uma cidade de promessas mas também uma cidade que engana. E entre as obras de Niemeyer e o sonho de Kubitschek, Joaquim se perdeu. Se perdeu e entendeu que aquele lugar não se chamava Plano Piloto porque era o lugar onde ele pilotaria a sua vida, mas porque era onde Seu Joaquim assistiria a sua vida sendo pilotada. Pilotada por medo, fome, sede, frio, trabalho, trabalho e trabalho. E parecia que o sonho de Seu Joaquim estava a mais de dois mil e quatorze quilômetros de distância.

Só não é certo dizer que Seu Joaquim e sua família comeram o pão que o diabo amassou porque, na verdade, eles não comeram quase nada. Foram anos de um sofrimento mais intenso que o sol do sertão do Ceará. Hoje, Seu Joaquim finalmente pilota sua vida, do jeito que sempre sonhou. Pilota sua vida, a de muitos outros e um ônibus amarelo que sai de Planaltina e chega na rodoviária daquele tal Plano Piloto. Finalmente seu Joaquim tem o controle que sempre quis dar à sua vida, e, quando perguntado o que tem a dizer sobre sua jornada até aqui, responde bem-humorado “hoje eu dou Graças à Deus que nem tudo na vida é passageiro”.

 

segunda-feira, 4 de maio de 2009

De trás pra frente

Dona Isaura estava cansada. Havia passado o dia sentada na calçada da Avenida Contorno oferecendo seus doces para quem quer que passasse e não havia juntado mais de 5 réis, já descontados os 2 que um moleque de rua havia arrancado de suas ainda calejadas pelo trabalho da fazenda mas nem por isso menos suaves mãos. Mesmo assim, Dona Isaura não deixava de sorrir. Sabia que se não fosse pela tinta da caneta daquela princesa tão famosa, ainda estaria tratando de nhonhô Manoel ou cozinhando para  toda a família do engenho. Não sentia-se, então, no direito de reclamar dos trocados que conseguia vendendo seus quitutes na calçada. Engraçado - pensou com seus botões já tão velhos que caíam, um a um, todos os dias, e eram recosturados, um a um, todas as noites - ele não veio hoje. Quando já se preparava para guardar as sobras das vendas do dia, que seriam a janta do mesmo, ele apareceu no final da rua. Sorrindo com aquele sorriso só dele e se aproximando.

            Não sabia porquê, mas parecia que toda vez que ele passva em sua frente, ainda que sequer olhasse para ela, Dona Isaura sentia que Salvador ficava ainda mais quente, a Avenida Contorno ainda mais cheia e os doces mais doces. Que bobagem a sua. Ele era um comerciante português, provavelmente no Brasil só por uma temporada e ela, uma ex-escrava sem perspectiva de sair das calçadas da Avenida Contorno. Naquele dia, no entanto, ele parou, olhou para ela e perguntou-lhe o preço do pastelzinho de belem. Ora, que mal teria em fazer àquele homem que parecia trabalhar tanto quanto Dona Isaura um agrado e oferecer-lhe um pastelzinho por conta da casa? Ele já adoçava seus dias, mesmo. É uma pena que na época Dona Isaura não soubesse ainda a receita de beijinhos, pois teria sido este o agrado constante das próximas semanas, frutos daquele primeiro e inocente pastelzinho. E no meio de agrados, beijinhos, docinhos e Avenida Contorno, Dona Isaura e o mascate se entregaram um ao outro, como tantos outros casais brasileiros, e ajudaram a formar a mistureba cultural, racial e genial que é o povo brasileiro.

            Ajudaram tendo filhos. O primeiro morreu no parto, o outro, seguiu os passos do pai, a terceira aprendeu a fazer doces e o quarto se casou com uma moça recém-chegada da capital. Esses dois gostaram da idéia do beijinho, e, já fora da Avenida Contorno, tiveram uma filha que traía o marido, um que virou advogado e um, esse, aquele que era quase tão negro quanto sua saudosa vó Isaura, que casou-se com uma alemã que gostava de bater no peito e esbravejar para todos sobre sua origem ariana. O neto da doceira e a ariana meio caduca continuaram a brincadeira e tiveram um menino que sumiu na fazenda ainda novo, uma moça bonita que gostava de ler, um rapaz que seduzia moças casadas, solteiras e noivas, uma filha mais velha que cuidou de todos quando a mãe se foi e uma outra que casou com um rapaz que estudava. O jovem casal resolveu sair de Minas e ganhar a vida no Goiás. Malas na mão do estudante, agora já bancário, e, nos braços da moça, uma filha com os cabelos loiros da ariana, um moleque implicante, um rapaz que viria a morrer dali a dois ou três anos, uma mocinha mais nova e uma tímida menina do meio, que  acabou se arranjando com um jovem que chegava a Brasília de Rondônia a pouco. Esses dois, já sem idéia de quem tenha sido Isaura, tiveram ainda um menino que vai à igreja, um filho nudista que não quer ter crias, um que não sabe bem o que quer e, mais tarde, uma adotada. E a receita do pastelzinho de Dona Isaura até hoje reúne todos eles.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O sofá azul

Essa é uma história real. Aconteceu com o amigo de um amigo meu, como costumava dizer o cartoon network em seus tempos de glória, quando você podia sentar em frente à tv ás 4:30 e assistir a um combo dos episódios inéditos mais reprisados de Sakura, Pokémon e DragonBall enquanto tomava o seu lanche pouco antes de fazer a tarefa de casa que a tia havia passado para o dia seguinte. Estava o pobre rapaz em casa no seu sábado à tarde onde a sombra do tédio já pairava por seu corpo jogado num sofá azul quando um som que não era nem a voz do Joey conversando com o Chandler nem a Phoebe brigando com o Ross interrompeu sua transe.

TRRRRRIM - Ele recupera os sentidos. TRRRRRRRIM – Reúne as forças. TRRRRRRIM – Se dirige ao escritório. TRRR - Alô? E, simples assim, numa conversa de cinco minutos o problema do amigo de um amigo meu é resolvido. Paint Ball com os amigos de ensino médio! Bem mais animador que o sofá azul. O rapaz então corre para seu carro que zune em direção ao Paint Ball do lado do Pier, que é o único que seus amigos conhecem. Encontrar aquelas pessoas com as quais ele costumava matar as aulas do galois em frente à igreja para ir ao piauí teve um gosto meio agridoce em sua língua. Nostálgico e alegre ao mesmo tempo. E, no meio dessa sensação esquisita na qual o rapaz não conseguia se decidir quanto ao que sentia o tio do Paint Ball avisou que a vez do grupo chegara.

Gênio me parece ser a única forma de definir o abençoado ser que criou o Paint Ball. Não satisfeito em colocar jovens e adolescentes em um ambiente pseudo-militar e ainda cobrar uma fortuna por isso, o filho da mãe não se preocupou em fazer uma proteção que… Proteja. Resultado? Paint Ball igual a hematoma. E o pobre coitado do amigo de um amigo meu não é, digamos assim, nenhum Tom Hanks resgatando o soldado Ryan. Sendo assim, o rapaz retornou de seu programa diurno de sábado fuzilado. Várias manchas roxas cobriam as partes deixadas vulneráveis pelo “equipamento de proteção”, inclua aí o pescoço.

A segunda seguinte amanheceu preguiçosa como qualquer segunda que se preze. O rapaz amanheceu como ela. Levantou-se e passou por todo o seu ritual de preparação para as aulas em seu estado zumbi. Chegou à faculdade. Dentro da mochila, caderno, caneta e inocência. Parece, no entanto, que inocência não era material obrigatório para aquela aula, pois os outros alunos, colegas de semestre, não viram mais que maldade nas manchas roxas no pescoço do amigo de um amigo meu, dizendo, das mais variadas formas, que seu fim de semana havia sido agitado. Pobre rapaz. Vítima do tédio de um sábado à tarde, da preguiça de uma segunda de manhã, da mente perversa dos colegas, das bolas roxas no pescoço e do filho da mãe do Paint Ball. 

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Metalingüando

Sabe como acho que saem meus textos? Da agonia gigantestca que eu sinto de ver uma folha em branco. Todas aquelas linhas, simplesmente implorando para virarem algo mais que linhas, mais que branco. Á partir do momento no qual encontro meu lápis, caneta BIC, canetinha ou giz de cera, aí já era. Começo e não paro mais. Você vai ver quem é que é uma folha branca! Começo então a invadir os cantos mais escuros da minha cabeça, aqueles sentimentos que estão escondidos até de mim e passo então a tentar decodificá-los e transformá-los em palavras. Nunca dá certo. Acabo sempre com uma orgia de palavras que não fazem sentido algum. Um mix de raiva, saudade, amor, vergonha, tesão, felicidade. Um em cima do outro. Uma verdadeira suruba verbal. Enfim chega a parte difícil: me meter no meio dessa bagunça e decifrar o que é que eu estou querendo me dizer. Normalmente é um acesso insano de melancolia extrema, o que, invariavelmente resulta num texto igualmente triste, depressivo e, enfim, chato pra caralho.

Comecei esse desse mesmo jeito. Tinha certeza que seu fim seria dramático como a semana que antecede ao fim da novela mais piegas que a Globo já produziu. Afinal de contas, não é em qualquer fim de semana que é jogada toda a sua vida no ventilador. E é engraçado. Pode nem ser uma coisa ruim, mas o fato de mudanças atingirem uma rotina tão intrínseca ao meu eu me faz entrar em desespero. Ainda que eu estivesse esperando essas mudanças há anos. E foi exatamente isso que mudou a direção desse texto. Eu fui desnorteado, e dessa vez me recusei a apontar o meu norte para aquele meu lugar comum. Não. Que tal encarar as coisas de um jeito novo, pra variar?  Me vêm à cabeça quinze mil clichés de livros de auto-ajuda dizendo “levanta a cabeça”, “siga em frente”, “não desista”. Prefiro fazer meu próprio cliché. Aproveite-se dele quem a situação permitir. Taca o foda-se, Gabriel. E vai ser feliz. Você e suas folhas em branco.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Identidade Secreta

Finalmente o dia havia chegado. A primeira festa de carnaval do saudoso Candanguinho. Poderia, enfim, sair em público com meu traje de combate ao crime sem ser recriminado, sem ser apontado na rua como o maluco da capa. Maluco da capa… Mas que desaforo! Eu era o cavaleiro das trevas, o senhor da noite, o homem morcego! Eu era o Batman, oras! E naquele dia, finalmente  não precisaria esconder isso.

            A preparação foi grande. O traje acabara de voltar da 5 à sec, novo como no dia em que chegou da loja onde todos os grandes heróis compram suas vestes: Armarinho Milano, é claro. O bat-móvel, recém polido, era abastecido pelo motorista de identidade anônima, conhecido simplesmente pelo codinome ”papai. E, por ultimo, é claro, o cinto de utilidades, munido de serpentina e confete para qualquer emergência.

            Chegada a hora, lá estava eu, no estacionamento do evento. Minha ansiedade aumentava na medida em que eu me aproximava. Já havia avistado o Flash exibindo sua velocidade para chegar à fila antes do Power Ranger azul. O Homem-Aranha corria, provavelmente para ensinar àquele duende do jardim uma lição. A Cinderela chorava por causa do seu tombo na rua. Alguém arruma uma abóbora pra essa mulher, por favor?

            O sentimento de ter o rosto coberto pela máscara, de saber que ninguém jamais saberia da minha identidade, a emoção de ser batman, e não Bruce. Toda essa adrenalina já tomava conta de mim. Avistei o segurança. Superman, é claro! Aquele sorriso de bom moço na porta do colégio todos os dias nunca me enganou. Já eu? Ah, eu tinha uma mascara. Quase conseguia ouvir seus pensamentos indagando quem seria o homem atrás dela. Estava pronto para surpreendê-lo.

 

-Oi seu Raimundo! Sabia que era você o super-homem!

-Haha! Oi Gabriel! Então você é o Batman?

 

Maldita visão raio-X.            

domingo, 12 de abril de 2009

Frango Assado

Minha história é longa. Quando o homem me descobriu, eu já habitava a Terra há muito. Dizem, na verdade, que a Terra era só eu, antes de uma voz resolver mudar tudo, e acabar com meu reino. Posso ter perdido boa parte do que tinha, mas não desapareci. Estive aqui o tempo todo. Vi o tempo passar. Vi células virarem peixes, peixes virarem anfíbios, anfíbios virarem lagartos. Vi dinossauros que andam, que correm, que nadam e que voam.

Vi de tudo.

Até que vi o homem.

O homem, ao ver meu brilho, minha dança, se encantou. Se encantou tanto, que o primeiro homem que me viu, não viu mais nada. O segundo homem, sim, foi mais prudente. Me levou para casa e desde então venho assando frangos, iluminando ambientes e esquentando corpos.

Á partir desse dia, homem e eu nunca mais nos separamos. Passei muito tempo em cima de velas, sendo a única fonte de luz noturna. Matei bruxas que ousaram desafiar grandes instituições. Movi trens e navios com motores à combustão. E assei frangos.

O homem passou a achar que me domou. Que meu instinto agressivo, nervoso, inquieto está sob controle. A verdade é que não fui feito para assar frangos. De vez em quando dou uma prova disso. Um prédio em chamas ou as cinzas de uma casa mostram que não sou controlável. Não é á toa que sou associado ao inferno.

A verdade mesmo, é que sempre preferi carne.       

Ping Pong

Ping Pong: Esporte também conhecido como tênis de mesa, praticado com uma raquete de madeira na mão de cada um dos dois jogadores, separados por uma mesa com uma rede dividindo-a em dois campos. A pequena bola de plástico voa de um lado ao outro da mesa produzindo um hipnotizante som de ping, pong, ping, pong, ping, pong.

 

-Podemos começar?

-Dah!

 

Ping.

 

-Cor favorita?

-Zah!

 

Pong.

 

-Brincadeira favorita?

-Baaaaa!

 

Ping.

 

-Um sonho?

(sorriso)

 

Pong.

 

-Um amor?

-Mama!

 

Ping.

 

-Um medo?

-Buuh

 

Pong.

 

-Um objetivo?

-Aaaaah!

 

Ping.

 

Uma fantasia?

Uma fantasia?

Ronc…

Maria.

A pele escura, o cabelo negro e o rosto perfeito. Tudo nela me fascina. Seus olhos, grandes e escuros parecem me puxar para dentro de si. Para um lugar de sorrisos eternos, alegria infinita, quase como os olhos de Capitu, os olhos da ressaca do mar. Mulher de poucas palavras. Limita-se a dizer o que quer com um olhar, um sorriso, uma lágrima. Para ela, só isso basta. Para mim, tudo isso encanta.

            Dizem que a curiosidade matou o gato. Nesse caso, ela que se cuide. Curiosa como poucos, mais atenta que a maioria, consegue prestar atenção em tudo á sua volta, bem como transformar-se no centro das atenções de todos que a rodeiam. Dizem que é o dom do carisma. Dizem que é a graça da beleza.

            Nunca foi exigente. Os mais banais dos mimos sempre a bastaram. Se tem raiva, beijo seu rosto e dou-lhe um abraço, e é como se toda sua raiva desaparecesse. Se tem fome, jamais exige prato algum. Até mesmo um copo de água a satisfará. Sua simplicidade me encanta. 

            Incrível como gosta de ler. Ver TV ou até mesmo ficar sozinha a entretém. É como se a correria do mundo moderno e a agitação da cidade grande não a afetassem de modo algum. Seu olhar é sempre sereno, sempre tranquilo, sempre seu.

            Atende por Maria, como tantas outras. Atende quando quer, para falar a verdade. Maria. Maria como a mãe de Jesus. Maria como as três estrelas mais vistas no céu. Maria como a cientista revolucionária da França. Maria como a louca princesa do Brasil. E dentre todas essas, ela continua sendo Maria. A mulher dos meus olhos.