OK. Vamos lá. Estamos em 20 e poucos de 2012. Os Maias acertaram. Ou dias depois de qualquer que seja a teoria apocalíptica que mais agrade. O fato é que por alguma sacanagem de Deus, do destino ou de carma mesmo, o diabo do mundo resolveu acabar e deixar um homenzinho pra contar a história. Um homenzinho e um pedaço de papel. O resto tudo é pó. Tá bom. Um homenzinho, um pedaço de papel e um estoque vitalício de comida enlatada. Fora isso, pó. Tudo o que o mundo conhecia, todos os arranha-céus, todos os livros, todos os discos. Poeira. E o homenzinho lá, com seu pedaço de papel.
O céu agora é sempre escuro. Nuvens? De poeira, sim. Carros não buzinam freneticamente para um sinal vermelho, cães não latem para o carteiro e aqueles moleques que costumavam ficar na calçada se drogando pra fugir da fome já não estão mais lá. Adivinha só? Pó. E o homenzinho? Parado com seu pedaço de papel.
Dias atrás, aquelas ruas pareciam ter vida também. Era tanta gente, tanta cor, tanta coisa. Hoje as ruas estão mais mortas do que a poeira que as cobre. A poeira de tudo aquilo que as dava vida. Tudo morto. Mas lá estava o homenzinho. Ele e seu pedaço de papel.
O vento não leva seus cabelos. A lua não reflete em seu olhar. A vida quase não pulsa mais dentro dele. Seus olhos cinza baixam e passam pelas palavras rabisacadas no pedaço de papel. Ele pega uma caneta e escreve mais algumas embaixo. Era o último texto. O último credo. E o homenzinho? Nem ele estava mais lá.
O Último Credo
Augusto dos Anjos
Como ama o homem adúltero o adultério
E o ébrio a garrafa tóxica de rum,
Amo o coveiro - este ladrão comum
Que arrasta a gente para o cemitério!
É o transcendentalíssimo mistério!
É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,
É a morte, é esse danado número Um
Que matou Cristo e que matou Tibério!
Creio, como o filósofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substância cósmica evolui...
Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanha vença
O homem particular eu que ontem fui!