segunda-feira, 27 de abril de 2009

O sofá azul

Essa é uma história real. Aconteceu com o amigo de um amigo meu, como costumava dizer o cartoon network em seus tempos de glória, quando você podia sentar em frente à tv ás 4:30 e assistir a um combo dos episódios inéditos mais reprisados de Sakura, Pokémon e DragonBall enquanto tomava o seu lanche pouco antes de fazer a tarefa de casa que a tia havia passado para o dia seguinte. Estava o pobre rapaz em casa no seu sábado à tarde onde a sombra do tédio já pairava por seu corpo jogado num sofá azul quando um som que não era nem a voz do Joey conversando com o Chandler nem a Phoebe brigando com o Ross interrompeu sua transe.

TRRRRRIM - Ele recupera os sentidos. TRRRRRRRIM – Reúne as forças. TRRRRRRIM – Se dirige ao escritório. TRRR - Alô? E, simples assim, numa conversa de cinco minutos o problema do amigo de um amigo meu é resolvido. Paint Ball com os amigos de ensino médio! Bem mais animador que o sofá azul. O rapaz então corre para seu carro que zune em direção ao Paint Ball do lado do Pier, que é o único que seus amigos conhecem. Encontrar aquelas pessoas com as quais ele costumava matar as aulas do galois em frente à igreja para ir ao piauí teve um gosto meio agridoce em sua língua. Nostálgico e alegre ao mesmo tempo. E, no meio dessa sensação esquisita na qual o rapaz não conseguia se decidir quanto ao que sentia o tio do Paint Ball avisou que a vez do grupo chegara.

Gênio me parece ser a única forma de definir o abençoado ser que criou o Paint Ball. Não satisfeito em colocar jovens e adolescentes em um ambiente pseudo-militar e ainda cobrar uma fortuna por isso, o filho da mãe não se preocupou em fazer uma proteção que… Proteja. Resultado? Paint Ball igual a hematoma. E o pobre coitado do amigo de um amigo meu não é, digamos assim, nenhum Tom Hanks resgatando o soldado Ryan. Sendo assim, o rapaz retornou de seu programa diurno de sábado fuzilado. Várias manchas roxas cobriam as partes deixadas vulneráveis pelo “equipamento de proteção”, inclua aí o pescoço.

A segunda seguinte amanheceu preguiçosa como qualquer segunda que se preze. O rapaz amanheceu como ela. Levantou-se e passou por todo o seu ritual de preparação para as aulas em seu estado zumbi. Chegou à faculdade. Dentro da mochila, caderno, caneta e inocência. Parece, no entanto, que inocência não era material obrigatório para aquela aula, pois os outros alunos, colegas de semestre, não viram mais que maldade nas manchas roxas no pescoço do amigo de um amigo meu, dizendo, das mais variadas formas, que seu fim de semana havia sido agitado. Pobre rapaz. Vítima do tédio de um sábado à tarde, da preguiça de uma segunda de manhã, da mente perversa dos colegas, das bolas roxas no pescoço e do filho da mãe do Paint Ball. 

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Metalingüando

Sabe como acho que saem meus textos? Da agonia gigantestca que eu sinto de ver uma folha em branco. Todas aquelas linhas, simplesmente implorando para virarem algo mais que linhas, mais que branco. Á partir do momento no qual encontro meu lápis, caneta BIC, canetinha ou giz de cera, aí já era. Começo e não paro mais. Você vai ver quem é que é uma folha branca! Começo então a invadir os cantos mais escuros da minha cabeça, aqueles sentimentos que estão escondidos até de mim e passo então a tentar decodificá-los e transformá-los em palavras. Nunca dá certo. Acabo sempre com uma orgia de palavras que não fazem sentido algum. Um mix de raiva, saudade, amor, vergonha, tesão, felicidade. Um em cima do outro. Uma verdadeira suruba verbal. Enfim chega a parte difícil: me meter no meio dessa bagunça e decifrar o que é que eu estou querendo me dizer. Normalmente é um acesso insano de melancolia extrema, o que, invariavelmente resulta num texto igualmente triste, depressivo e, enfim, chato pra caralho.

Comecei esse desse mesmo jeito. Tinha certeza que seu fim seria dramático como a semana que antecede ao fim da novela mais piegas que a Globo já produziu. Afinal de contas, não é em qualquer fim de semana que é jogada toda a sua vida no ventilador. E é engraçado. Pode nem ser uma coisa ruim, mas o fato de mudanças atingirem uma rotina tão intrínseca ao meu eu me faz entrar em desespero. Ainda que eu estivesse esperando essas mudanças há anos. E foi exatamente isso que mudou a direção desse texto. Eu fui desnorteado, e dessa vez me recusei a apontar o meu norte para aquele meu lugar comum. Não. Que tal encarar as coisas de um jeito novo, pra variar?  Me vêm à cabeça quinze mil clichés de livros de auto-ajuda dizendo “levanta a cabeça”, “siga em frente”, “não desista”. Prefiro fazer meu próprio cliché. Aproveite-se dele quem a situação permitir. Taca o foda-se, Gabriel. E vai ser feliz. Você e suas folhas em branco.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Identidade Secreta

Finalmente o dia havia chegado. A primeira festa de carnaval do saudoso Candanguinho. Poderia, enfim, sair em público com meu traje de combate ao crime sem ser recriminado, sem ser apontado na rua como o maluco da capa. Maluco da capa… Mas que desaforo! Eu era o cavaleiro das trevas, o senhor da noite, o homem morcego! Eu era o Batman, oras! E naquele dia, finalmente  não precisaria esconder isso.

            A preparação foi grande. O traje acabara de voltar da 5 à sec, novo como no dia em que chegou da loja onde todos os grandes heróis compram suas vestes: Armarinho Milano, é claro. O bat-móvel, recém polido, era abastecido pelo motorista de identidade anônima, conhecido simplesmente pelo codinome ”papai. E, por ultimo, é claro, o cinto de utilidades, munido de serpentina e confete para qualquer emergência.

            Chegada a hora, lá estava eu, no estacionamento do evento. Minha ansiedade aumentava na medida em que eu me aproximava. Já havia avistado o Flash exibindo sua velocidade para chegar à fila antes do Power Ranger azul. O Homem-Aranha corria, provavelmente para ensinar àquele duende do jardim uma lição. A Cinderela chorava por causa do seu tombo na rua. Alguém arruma uma abóbora pra essa mulher, por favor?

            O sentimento de ter o rosto coberto pela máscara, de saber que ninguém jamais saberia da minha identidade, a emoção de ser batman, e não Bruce. Toda essa adrenalina já tomava conta de mim. Avistei o segurança. Superman, é claro! Aquele sorriso de bom moço na porta do colégio todos os dias nunca me enganou. Já eu? Ah, eu tinha uma mascara. Quase conseguia ouvir seus pensamentos indagando quem seria o homem atrás dela. Estava pronto para surpreendê-lo.

 

-Oi seu Raimundo! Sabia que era você o super-homem!

-Haha! Oi Gabriel! Então você é o Batman?

 

Maldita visão raio-X.            

domingo, 12 de abril de 2009

Frango Assado

Minha história é longa. Quando o homem me descobriu, eu já habitava a Terra há muito. Dizem, na verdade, que a Terra era só eu, antes de uma voz resolver mudar tudo, e acabar com meu reino. Posso ter perdido boa parte do que tinha, mas não desapareci. Estive aqui o tempo todo. Vi o tempo passar. Vi células virarem peixes, peixes virarem anfíbios, anfíbios virarem lagartos. Vi dinossauros que andam, que correm, que nadam e que voam.

Vi de tudo.

Até que vi o homem.

O homem, ao ver meu brilho, minha dança, se encantou. Se encantou tanto, que o primeiro homem que me viu, não viu mais nada. O segundo homem, sim, foi mais prudente. Me levou para casa e desde então venho assando frangos, iluminando ambientes e esquentando corpos.

Á partir desse dia, homem e eu nunca mais nos separamos. Passei muito tempo em cima de velas, sendo a única fonte de luz noturna. Matei bruxas que ousaram desafiar grandes instituições. Movi trens e navios com motores à combustão. E assei frangos.

O homem passou a achar que me domou. Que meu instinto agressivo, nervoso, inquieto está sob controle. A verdade é que não fui feito para assar frangos. De vez em quando dou uma prova disso. Um prédio em chamas ou as cinzas de uma casa mostram que não sou controlável. Não é á toa que sou associado ao inferno.

A verdade mesmo, é que sempre preferi carne.       

Ping Pong

Ping Pong: Esporte também conhecido como tênis de mesa, praticado com uma raquete de madeira na mão de cada um dos dois jogadores, separados por uma mesa com uma rede dividindo-a em dois campos. A pequena bola de plástico voa de um lado ao outro da mesa produzindo um hipnotizante som de ping, pong, ping, pong, ping, pong.

 

-Podemos começar?

-Dah!

 

Ping.

 

-Cor favorita?

-Zah!

 

Pong.

 

-Brincadeira favorita?

-Baaaaa!

 

Ping.

 

-Um sonho?

(sorriso)

 

Pong.

 

-Um amor?

-Mama!

 

Ping.

 

-Um medo?

-Buuh

 

Pong.

 

-Um objetivo?

-Aaaaah!

 

Ping.

 

Uma fantasia?

Uma fantasia?

Ronc…

Maria.

A pele escura, o cabelo negro e o rosto perfeito. Tudo nela me fascina. Seus olhos, grandes e escuros parecem me puxar para dentro de si. Para um lugar de sorrisos eternos, alegria infinita, quase como os olhos de Capitu, os olhos da ressaca do mar. Mulher de poucas palavras. Limita-se a dizer o que quer com um olhar, um sorriso, uma lágrima. Para ela, só isso basta. Para mim, tudo isso encanta.

            Dizem que a curiosidade matou o gato. Nesse caso, ela que se cuide. Curiosa como poucos, mais atenta que a maioria, consegue prestar atenção em tudo á sua volta, bem como transformar-se no centro das atenções de todos que a rodeiam. Dizem que é o dom do carisma. Dizem que é a graça da beleza.

            Nunca foi exigente. Os mais banais dos mimos sempre a bastaram. Se tem raiva, beijo seu rosto e dou-lhe um abraço, e é como se toda sua raiva desaparecesse. Se tem fome, jamais exige prato algum. Até mesmo um copo de água a satisfará. Sua simplicidade me encanta. 

            Incrível como gosta de ler. Ver TV ou até mesmo ficar sozinha a entretém. É como se a correria do mundo moderno e a agitação da cidade grande não a afetassem de modo algum. Seu olhar é sempre sereno, sempre tranquilo, sempre seu.

            Atende por Maria, como tantas outras. Atende quando quer, para falar a verdade. Maria. Maria como a mãe de Jesus. Maria como as três estrelas mais vistas no céu. Maria como a cientista revolucionária da França. Maria como a louca princesa do Brasil. E dentre todas essas, ela continua sendo Maria. A mulher dos meus olhos.