segunda-feira, 11 de maio de 2009

Senhor do destino

Aquela noite, sonhou que andava nas estrelas. Já havia sonhado isso algumas vezes. No entanto, nem passear na Via Láctea, nem ser um animal e nem aquele sonho no qual ele voltava a ser jovem, sempre protegido pelo pai, assassinado por causa de uma vaca magrela, chegavam perto do grande sonho da vida de seu Joaquim: conseguir guiar sua própria vida. Conseguir saber dizer aos filhos quando seria a próxima refeição da família. Conseguir dizer à esposa que juntaria uns trocados para dar-lhe um novo vestido. Conseguir dizer a si mesmo que era um homem de respeito. O pior de tudo, é que no sertão do Ceará, esse parecia o mais distante de todos os sonhos de Seu Joaquim.

Quem já foi ao Ceará sabe que homem cearense é cabra macho e que não se satisfaz só com sonhar. E já que a Via Láctea fica longe e que não dava pra virar um elefante, não importa quantos amendoins Seu Joaquim comesse, lá foi ele correr atrás de seu sonho mais distante. Dois mil e quatorze quilômetros, para ser mais exato. A distância entre Choró, a pobre vila que viu seu Joaquim crescer e a nova capital brasileira parecia infinita aos olhos cansados do cearense e de sua família, que pegaram ônibus, caminhão, carona e jegue, mas enfim chegaram num tal de Plano Piloto. Ironia de Deus, pensou Seu Joaquim. A cidade escolhida para que a família de Choró enfim pilotasse sua vida tinha o centro apelidado de Plano Piloto. É destino. É aqui mesmo que vamos ficar.

Não deu. Brasília é uma cidade de promessas mas também uma cidade que engana. E entre as obras de Niemeyer e o sonho de Kubitschek, Joaquim se perdeu. Se perdeu e entendeu que aquele lugar não se chamava Plano Piloto porque era o lugar onde ele pilotaria a sua vida, mas porque era onde Seu Joaquim assistiria a sua vida sendo pilotada. Pilotada por medo, fome, sede, frio, trabalho, trabalho e trabalho. E parecia que o sonho de Seu Joaquim estava a mais de dois mil e quatorze quilômetros de distância.

Só não é certo dizer que Seu Joaquim e sua família comeram o pão que o diabo amassou porque, na verdade, eles não comeram quase nada. Foram anos de um sofrimento mais intenso que o sol do sertão do Ceará. Hoje, Seu Joaquim finalmente pilota sua vida, do jeito que sempre sonhou. Pilota sua vida, a de muitos outros e um ônibus amarelo que sai de Planaltina e chega na rodoviária daquele tal Plano Piloto. Finalmente seu Joaquim tem o controle que sempre quis dar à sua vida, e, quando perguntado o que tem a dizer sobre sua jornada até aqui, responde bem-humorado “hoje eu dou Graças à Deus que nem tudo na vida é passageiro”.

 

Um comentário:

camilacorado disse...

é inacreditável como seus textos, que eram pra ser tristes, se tornam completamente agradáveis de serem lidos até o fim.

porque sei que no final das contas, tudo acaba em alegria.
:)